O que é tratamento de caldo filtrado por flotação

Engenheiro responde alguns questionamentos sobre as possíveis vantagens do sistema como uma opção aos decantadores

José Oswaldo da Silva

No processo produtivo das indústrias sucroalcooleiras, o tratamento de caldo se destaca como uma das etapas mais importantes para a garantia da qualidade do produto final.

Nesta etapa, tradicionalmente, são utilizados decantadores de bandejas ou suas variações de natureza mecânica, equipamentos que requerem, além do alto investimento de implantação, grandes espaços de instalação.

Recentemente foi introduzido no mercado sucroalcooleiro o processo de tratamento de caldo por flotação, alternativo aos processos por decantação, com o atrativo de ser muito mais econômico a nível de implantação e requerer menos espaço de instalação. Na verdade, o processo de flotação, que é comumente utilizado no tratamento de efluentes e no setor de mineração, vem sendo empregado nas indústrias sucroalcooleiras há muito tempo, e com sucesso comprovado, para o tratamento de calda de açúcar e xarope.

Entretanto, no início, algumas unidades de tratamento de caldo por flotação não apresentaram os resultados desejados, originando alguns questionamentos sobre suas possíveis vantagens e mesmo sua viabilidade como uma opção aos decantadores. Isto se deve ao fato de a maioria das unidades implantadas tomarem por base os projetos dos sistemas de flotação de xarope existentes, sem que fosse feito um estudo mais cuidadoso das particularidades do caldo de cana.

Modificações necessárias

Uma vez feitas as modificações necessárias ao processo, tem-se hoje sistemas de flotação confiáveis para o tratamento de caldo, que vem sendo instalados tanto no Brasil como no exterior, com resultados iguais e mesmo superiores ao dos decantadores. Para tanto foi necessário desenvolver novos dispositivos de aeração utilizando ejetores líquido-gás, mais apropriados para a aeração de caldo da cana, em lugar dos sistemas por ar dissolvido, usualmente empregados para a flotação de xarope.

Diferenças

Devido ao desconhecimento técnico da maioria do setor sobre os princípios particulares do processo de flotação, algumas controvérsias foram geradas e merecem ser melhor discutidas. A começar pela qualidade do caldo tratado por flotação quando comparada com a qualidade do caldo tratado em decantadores. O processo químico envolvido, ou seja, a etapa de formação e precipitação dos flocos é idêntica em ambos os processos. A diferença está na separação das impurezas após o processo químico. Na flotação, as impurezas são arrastadas para a superfície do meio, enquanto na decantação as impurezas sedimentam no fundo do equipamento. Ambas as formas de separação dos processos físicos não alteram a natureza do caldo ou das impurezas, requerendo, tão somente, um projeto e um controle operacional adequados. Em casos onde a estrutura da fibra da cana é de baixa densidade, tipo canas SP 70-1147, o processo de flotação favorece a separação devido a tendência desta fibra de flutuar no meio.

Outro fator de dúvida consiste na eficiência do processo de flotação para a separação de areia, argila e bagacilho. Partículas desta natureza, quando de pequeno tamanho, são floculadas. Formam flocos estáveis que, agregados às microbolhas de ar adicionadas ao processo na etapa de aeração, se tornam bem mais leves que o meio e flotam rapidamente na superfície. Apenas as partículas maiores de areia e bagacilho (a argila apresenta sempre reduzida granulometria, flotando bem) tendem a decantar durante o tempo de retenção do processo (cerca de 15 minutos) e são facilmente retiradas pelo fundo do tanque flotador. É importante ressaltar que o processo de flotação é comumente utilizado, e com bastante sucesso em relação aos decantadores, para a separação de minérios. Logo, o processo de flotação é indicado para a separação de partículas de areia, argila e bagacilho, sendo recomendada apenas a instalação de peneiras 0,3 a 0,5 mm a montante do flotador, da mesma forma que para os decantadores, de modo a reduzir a quantidade total de sólidos alimentados ao sistema e, assim, reduzir a dosagem de produtos químicos necessários.

Caldo para a produção de açúcar

Outra dúvida comum refere-se a possibilidade do uso do processo de flotação para o tratamento de caldo para a produção de açúcar. O caldo tratado por flotação pode ser enviado diretamente para os evaporadores, cozedores e fábrica de açúcar, uma vez que tem a mesma qualidade do caldo tratado em decantadores. Aliás, isso já é feito no Brasil, na usina Monte Alegre (PB) e em algumas da índia, que até usam o caldo filtrado flotado diretamente para a produção de açúcar.

É claro que qualquer que seja o processo, torna-se indispensável um adequado controle das etapas de microfloculação, aquecimento, microfloculação e da operação de todo o sistema. Para esta aplicação aconselha-se a instalação de uma peneira de malha 200 mesh após o flotador, de forma a prevenir eventuais problemas de operação, prática está também recomendada para processos de decantação.

Consumo de produtos químicos

Outro ponto importante é quanto ao consumo de produtos químicos. No tratamento de caldo para a produção de álcool, os processos de flotação têm apresentado um consumo de polímetro floculante, cerca de 20% superior ao dos decantadores. A adição de fosfato só é necessária para caldos excepcionalmente fracos em P205. Quanto ao consumo de cal, a dosagem nos flotadores é padronizada para operar a pH 7,0 (processo a frio), ou a pH 6,5 (processo a quente). Recentemente surgiu a opção de realizar o processo de flotação sem a necessidade de correção de pH, ou seja, sem a adição de cal. Neste caso, o consumo de polímetro floculante, embora sendo cerca de 30% maior do que em decantadores, apresenta, em contrapartida, os ganhos referentes a redução de investimento e de custos operacionais relativos aos equipamentos do sistema de preparo de cal e fosfato, e condicionamento do caldo. A operação de decantadores para o tratamento de caldo para a produção de álcool pode, em certos casos, ser feita sem a adição de produtos químicos. Para tanto é necessário que o decantador esteja suficientemente dimensionado para permitir um tempo de retenção superior a 2,5 horas. Entretanto, quando as condições da matéria-prima são desfavoráveis (maior teor de impurezas e canas problemáticas de se tratar), a adição de produtos químicos no decantador é indispensável. Para o tratamento de caldo para a produção de açúcar, verifica-se que o consumo de fosfato, cal e enxofre é equivalente em ambos os processos, enquanto o consumo de polímetro floculante na flotação é cerca de 20% superior, sendo o aquecimento prévio do caldo indispensável em ambos os processos.

Processo a frio

Uma das grandes diferenças entre os dois processos reside na possibilidade de se conduzir o processo de flotação para a produção de álcool também a frio. A principal dúvida recai na possível geração ou aumento de contaminação no tanque flotador durante o processo a frio. O aquecimento do caldo é feito para permitir a aceleração das reações químicas, a precipitação das proteínas e a diminuição da solubilidade do fosfato de cálcio presente, fatores estes que participam diretamente da microfloculação das ‘impurezas, além de impedir o crescimento de microrganismos contaminantes. Quando o caldo não é aquecido necessita-se induzir está microfloculação, o que pode ser alcançado através de uma dosagem maior de fosfato, ou pelo aumento de pH de processamento e/ou pelo aumento do tempo de retenção do caldo na etapa de condicionamento.

Neste caso pode-se esperar um aumento do consumo de produtos químicos no processo da ordem de 10% para um tempo de retenção em todo o processo de até 20 minutos, tempo este não muito superior ao verificado nos cush-cush ou nas caleadoras de caldo, e, obviamente, insuficiente para qualquer formação de contaminantes contabilizáveis. O eventual aparecimento da chamada “canjica”, um polissacarídeo, dá-se através da reação dos íons positivos, cálcio do leite de cal, com os ânions negativos do polissacarídeo, formando um floco que precipita no caldo e é retirado do meio. É importante salientar que nestes casos a canjica está presente no caldo desde o campo e o pátio de cana. Também é bom lembrar que, no caso do processo de flotação a quente, a temperatura ótima necessária a uma boa operação é de 85°C no caso do tratamento para produção de álcool, e de 95°C para o caso da produção de açúcar, reduzindo as necessidades de aquecimento e resfriamento do caldo, quando comparado aos decantadores, que devem operar em temperaturas acima de 105°C.

Diferenças na operação

Com relação a conduta da operação, pode-se afirmar que ambos os processos apresentam a mesma complexidade, uma vez que a metodologia das etapas de preparação de produtos químicos, do condicionamento de caldo e da adição de produtos, é equivalente. -No restante, ambos os processos de separação são físicos e dependem de um projeto bem dimensionado. A nível de controle, o processo de flotação é cerca de 10 vezes mais rápido e, com isto, apresenta uma inércia muito menor. Com isso, possíveis flutuações operacionais acarretam consequências imediatas no produto tratado, tanto no sentido a desestabilização ao processo quanto na sua correção. Isto é importante na determinação do sistema de controle mais adequado ao processo.

Conclusões

Em resumo, o processo de flotação, se bem dimensionado e projetado, é efetiva e definitivamente uma ótima alternativa técnica e econômica para os tradicionais decantadores para o tratamento do caldo misto e filtrado. Para uma melhor avaliação das vantagens e desvantagens das diversas opções de instalação e modificação de sistemas de tratamento de caldo misto e filtrado, deve-se considerar alguns importantes critérios comparativos, tais como: capacitação técnica da empresa fornecedora; viabilidade técnica e econômica da modificação pretendida; custo energético do processo; – qualidade do produto final a ser obtido e o regime de assistência técnica prestado ao usuário pelo fornecedor. Entretanto, em se falando de processo de flotação, torna-se fundamental a avaliação da tecnologia a nível de resultados obtidos no setor sucroalcooleiro. Algumas tecnologias de flotação não são adequadas para o processamento de caldo de cana e devem ser evitadas, e especial atenção deve ser dada ao sistema de aeração empregado. Aeração por ar dissolvido ou por ar disperso (rotores com adição de ar interna) não têm apresentado bons resultados para o caldo de cana, comprometendo o desempenho de todo o processo e a qualidade do produto final.

José Oswaldo da Silva é engenheiro químico, MBA da Coppead da Universidade Federal do RJ. e diretor da Engenho Novo Tecnologia Ltda.
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